Rede social chinesa não é diferente das demais em relação à coleta de dados dos usuários
O governo dos Estados Unidos está avançando com propostas destinadas a proibir o TikTok, a plataforma de vídeo viral chinesa usada por mais de 150 milhões de americanos. As autoridades dizem que é uma questão de segurança nacional, apontando com urgência para a ByteDance, empresa-mãe da TikTok.
Embora alguns possam ser motivados por xenofobia velada, os legisladores também apontam com razão para preocupações sobre a vigilância do aplicativo e o modelo de negócios capitalista, que aspira o máximo possível de informações pessoais dos usuários e depois as usa para veicular conteúdo que os mantém clicando, rolando e gerando receita de anúncios.
O TikTok nos “espia” para obter lucro. Isso não está em questão.
O problema é que – embora possam não pertencer a uma empresa chinesa – Instagram, YouTube, Facebook, Snapchat e Twitter também o fazem, como os defensores da privacidade vêm alertando há mais de uma década.
Banir o TikTok não nos deixará mais seguros das operações de vigilância da China. Tampouco protegerá as crianças, ou qualquer outra pessoa, de se viciar nos produtos manipuladores da Big Tech. É apenas uma solução ineficaz que soa bem na TV.
Embora muitos governos se envolvam em censura e vigilância na Internet, a China certamente possui um dos sistemas mais sofisticados e draconianos.
Uma característica central do regime de censura da China é o “Grande Firewall”, que bloqueia aplicativos estrangeiros de mídia social, sites de notícias e até mesmo recursos educacionais como a Wikipédia, sob o pretexto de proteger a segurança nacional.
Enquanto eles hiperventilam sobre o TikTok, os políticos dos EUA estão tão ansiosos para parecer “duros com a China” que estão sugerindo que construamos nosso próprio Grande Firewall em casa.
Há um número pequeno, mas crescente, de países no mundo tão autoritários que bloqueiam completamente aplicativos e sites populares. É lamentável que tantos legisladores americanos entrar nessa lista.
Várias das propostas que tramitam no Congresso concederiam ao governo federal novos poderes sem precedentes para controlar qual tecnologia pode-se usar e como se expressar – autoridade que vai muito além do TikTok.
A lei bipartidária RESTRICT (S. 686), por exemplo, permitiria que o Departamento de Comércio se envolvesse em atos extraordinários de policiamento, criminalizando uma ampla gama de atividades com empresas de países “hostis” e potencialmente até banindo aplicativos inteiros simplesmente declarando-os como ameaça à segurança nacional.
A lei é vaga o suficiente para que alguns especialistas tenham levantado preocupações de que ela poderia ameaçar usuários individuais da Internet com longas sentenças de prisão por tomarem medidas para “escapar” uma proibição, como carregar um aplicativo lateralmente (ou seja, contornar canais de distribuição de aplicativos aprovados) ou usando uma rede privada virtual (VPN).
Mas proibir o TikTok não é apenas tolo e perigoso, é também inconstitucional.
As fortes proteções à liberdade de expressão consagradas na Primeira Emenda impedem o governo de ações extremas, como criminalizar um aplicativo que milhões de pessoas usam para expressar suas opiniões e ideias.
O governo dos EUA não pode proibir você de postar ou assistir a vídeos do TikTok, assim como não pode impedi-lo de ler um jornal estrangeiro como o Times of India ou escrever um artigo de opinião para o The Guardian.
O Washington Post, o New York Times e a CNN têm suas próprias contas oficiais do TikTok, assim como vários candidatos a cargos, autoridades eleitas, acadêmicos, jornalistas, líderes religiosos e figuras políticas.
Qualquer proposta que resulte na proibição efetiva do TikTok nos EUA quase certamente desmoronaria sob um desafio legal, como afirmaram a American Civil Liberties Union e outros especialistas.
Até mesmo o senador republicano conservador Rand Paul, de Kentucky, concorda que proibir o aplicativo violaria o direito de liberdade de expressão dos americanos. Uma proibição do TikTok nem seria eficaz: o governo chinês poderia comprar muitas das mesmas informações de corretores de dados, que não são regulamentados nos EUA.
A pressa para banir o TikTok – ou forçar sua venda para uma empresa dos EUA – é uma distração conveniente do que os representantes eleitos deveriam estar fazendo para proteger os americanos da manipulação do governo e da vigilância comercial: aprovar legislação básica de privacidade de dados.
É uma questão de conhecimento comum que Instagram, YouTube, Venmo, Snapchat e a maioria dos outros aplicativos em seu telefone se envolvem em práticas comerciais de coleta de dados semelhantes ao TikTok. Alguns são ainda piores. Portanto, não é apenas o TikTok.
Muito do que você faz no espaço digital em todos os seus dispositivos é rastreado.
As empresas que adotam a prática afirmam que rastreiam as atividades dos usuários on-line para fornecer publicidade e conteúdo mais direcionados. Muitas empresas vendem os dados que coletam para terceiros, que os vendem para quartos, quintos e sextos terceiros.
Embora as empresas coletem esses dados com o objetivo de extrair lucro e atrair usuários para seus produtos, os governos há muito se interessam.
A única maneira de impedir que os governos transformem em armas os dados que empresas privadas como a TikTok coletam e armazenam sobre os usuários é impedir que essas empresas coletem e armazenem tantas informações em primeiro lugar.
Você não pode fazer isso com censura. Você faz isso aprovando uma forte lei nacional de privacidade de dados que proíbe as empresas de coletar mais dados sobre do que o necessário para fornecer o serviço solicitado.
Em vez de ajudar a Big Tech a crescer banindo um grande concorrente, o Congresso também deveria aprovar uma legislação antitruste para reprimir as práticas anticompetitivas.
Isso daria aos pais preocupados e aos usuários da Internet que desejam abandonar o TikTok e o Instagram melhores opções para escolher e reduzir o poder das maiores plataformas, tornando-as mais difíceis de serem exploradas e manipuladas pelos governos.
É muito mais difícil para os malfeitores, sejam eles trolls corporativos ou agentes do governo, controlar informações em uma constelação de plataformas menores, cada uma com suas próprias regras e algoritmos, do que envenenar o poço quando há um punhado minúsculo de empresas que controlam o acesso à informação.
Uma preocupação separada que legisladores e autoridades dos EUA levantaram é a ideia de que o governo chinês poderia pressionar o TikTok para ampliar a propaganda ou alterar seu algoritmo para promover os interesses do governo. É um argumento que não é totalmente sem mérito.
Sabemos que o governo russo foi eficaz na manipulação de informações no Facebook durante as eleições de 2016. Os EUA historicamente se envolveram em conduta semelhante no exterior.
Considere, por exemplo, o histórico dos EUA em influenciar os resultados das eleições na América Latina ou as campanhas de desinformação dos aliados dos EUA após a Primavera Árabe.
Campanhas de desinformação apoiadas pelo Estado estão acontecendo em grande escala e em todas as principais plataformas. Lutamos contra isso exigindo mais transparência e responsabilidade, não mais censura.
É uma vergonha nacional não termos uma lei básica de privacidade de dados nos Estados Unidos. E é uma farsa que continuemos a permitir que monopólios tecnológicos não regulamentados desrespeitem nossos direitos.
Cada dia que os representantes eleitos passam torcendo as mãos e espalhando pânico moral sobre o que as crianças estão fazendo no TikTok é mais um dia em que ficamos vulneráveis e desprotegidos.
Com alguma sorte, a histeria TikTok de Washington desaparecerá rapidamente.
Vamos torcer para que a próxima nova tendência na capital do país seja aprovar leis reais que protejam as pessoas, começando com uma forte legislação antitruste e de privacidade.
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